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Foto do escritorMari Guedes

Meio humano, meio máquina

Aldous Huxley, ao publicar em 1932 seu romance “O Admirável Mundo Novo”, para muitos uma obra de ficção justamente porque o autor antevia a manipulação genética e a consequente reprodução laboratorial das pessoas, abriu o caminho para que muitos avanços científicos ligados à pessoa humana pudessem prosperar. A biotecnologia, num crescente contínuo, foi atingindo conquistas até então inesperadas. Pode-se até dizer que o progresso científico, após dominar determinada tecnologia, amplia-a para atingir novos patamares e, assim, incessantemente, vai galgando e explorando outros rumos para a humanidade.

O presidente executivo da empresa Tesla e da Space X, Elon Musk, lançou interessante desafio consistente em desenvolver implantes cerebrais com a finalidade de permitir a comunicação entre o humano e a máquina. Tal procedimento visa possibilitar que as pessoas portadoras de severos distúrbios neurológicos possam receber impulsos com a finalidade de restaurar as funções motoras e sensoriais, podendo até mesmo recuperar a visão de um cego. Deixou a entender também que, pelas projeções do mundo cibernético, existe o temor de que os seres humanos possam ser ultrapassados pela inteligência artificial.

Proposta audaciosa e instigante. Principalmente em saber que o homem está próximo de dominar uma nova tecnologia e implantá-la no cérebro de outro homem que padece de graves distúrbios neurológicos. A primeira indagação que vem à mente, ligada diretamente à antropologia filosófica, seria se essa invasão da máquina não iria deturpar a natureza humana, compreendendo aqui tudo aquilo que seja fundamental e inerente à pessoa, como, por exemplo, sua volição, sua consciência e sua razão, enfim, seria uma continuação do mesmo eu ou seria a derivação da inteligência artificial?

Pergunta e reposta na mesma linha foram feitas por Damásio: “Saber como o cérebro funciona tem alguma importância para o modo como vivemos nossa vida? A meu ver, importa muito, ainda mais se, além de sabermos quem atualmente somos, nos interessarmos pelo que podemos vir a ser”.

O dilema está posto e resta buscar um caminho que seja coerente e condizente com a condição humana. O Direito, ainda muito distante de tais indagações, cede espaço para que a Bioética, ciência mais indicada para o aval inicial pela sua inter, multi e transdiciplinaridade - vez que se dedica a perscrutar os avanços científicos e ordená-los pelos critérios de necessidade, oportunidade e conveniência para saber se advirão benefícios para o homem - ainda não tem uma manifestação categórica a respeito. Apesar ainda de se apresentar como jovem no ramo das ciências, a Bioética lida diretamente com a vida humana e tem como norte a evolução biotecnológica e de seus aparatos em confronto permanente com o princípio da dignidade humana, lastreado na Constituição Federal.

Trata-se, no caso apresentado, ainda de um estudo inicial e que deverá passar pelo crivo do FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora dos Estados Unidos. Mas, até antecipando futura avaliação, pode-se dizer que um dos fatores que irão conduzir o pensamento da agência volta-se para o princípio bioético da beneficência, compreendendo aqui os dividendos de saúde e qualidade de vida que poderão resultar de tamanha iniciativa.

Se o objetivo for proporcionar condições para que o cérebro possa ordenar com autonomia os movimentos de um corpo paralisado há muito tempo, com total e integral domínio físico e mental do homem, provocando seu verdadeiro renascimento, não há qualquer dúvida que o experimento alcançará seu objetivo e se transformará num dos grandes benefícios para a humanidade.

Porém, se refletir exclusivamente a atividade elétrica do comando digital da inteligência artificial, a máquina invadirá o corpo humano e nele modulará seu habitat de acordo com a performance de sua programação. E, no mesmo campo ficcional, será difícil perquirir qualquer responsabilidade da pessoa que, na realidade, age sob o comando de estímulos programados pela inteligência artificial. Por isso, talvez, seja chamada de artificial.

Deixa de existir o homem e passa a imperar a máquina. É a preocupação da humanidade.


Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

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